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A regulamentação da cannabis medicinal no Brasil

  • Eric Deiró
  • 1 de ago. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 1 de ago. de 2023



A discussão acerca da possibilidade do uso da cannabis no Brasil, especialmente para fins científicos e medicinais, tem sido cada vez mais frequente. Embora pareça recente, a regulamentação do tema pelos órgãos de vigilância sanitária brasileiros remonta a quase três décadas atrás. E os recentes avanços têm sido relevantes…


HISTÓRICO DE REGULAMENTAÇÃO


A primeira regulamentação sobre o tema foi realizada pela Portaria n. 344 de 1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), criando um regramento para o controle e a fiscalização de substâncias sujeitas ao controle especial no Brasil. Nesta norma, na lista de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas estava a "cannabis sativum".


Em 2006, foi instituído o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), por meio da Lei Federal n. 11.343, que em seu art. 2º estabelecia a proibição de plantio, a cultura, a colheita e a exploração de diversas plantas, ressalvadas aquelas autorizadas por lei ou regulamentação de órgãos públicos, bem como o respeito àquelas cujo uso seja estritamente ritualístico-religioso.


A referida norma federal também estabeleceu que a União Federal pode autorizar estas atividades, desde que sua destinação seja para fins medicinais ou científicos.


Quase uma década depois, em 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) promoveu grande avanço em relação ao tema, ao aprovar a Resolução n. 2113 e ser enfática ao estabelecer que "o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano", e que, na história da Medicina e da Farmácia, a utilização e o estudo de extratos vegetais foi imprescindível para a descoberta e evolução no tratamento de inúmeras doenças.


A Resolução n. 2113/2014 do CFM considerou "que a Cannabis sativa contém, dentre seus inúmeros componentes, ora designados canabinoides, o canabidiol (CBD) e que este pode ser isolado ou sintetizado por métodos laboratoriais seguros e confiáveis".


O CFM atentou para a necessidade de continuidade dos estudos acerca da "ação terapêutica do canabidiol em crianças e adolescentes com epilepsia refratária aos tratamentos convencionais".


Foi, portanto, o primeiro marco regulamentador federal que atentou expressamente para os efeitos positivos, sob a perspectiva científica e medicinal, da cannabis sativa.


Após este marco, a ANVISA definiu, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 17/2015 os critérios para importação de produtos à base de canabidiol, em caráter excepcional, para uso próprio, apenas em caso de ter sido prescrito por profissional legalmente habilidade, e para a finalidade específica de tratamento de saúde.


Em 2019, a Diretoria Colegiada da ANVISA avançou na regulamentação do tema, por meio da RDC n. 327/2019, definindo um procedimento próprio para concessão de Autorização Sanitária para empresas, visando a fabricação e importação de produtos de Cannabis para fins medicinais de uso humano. No ano seguinte (2020), definiu critérios de autorização para pessoas físicas, por meio da RDC n. 335/2020.


Em 2022, a RDC n. 660 consolidou as resoluções anteriores (335/20 e 570/21), sendo o regramento atual para importação de produtos à base de cannabis para pessoas físicas, voltados a tratamento de saúde prescrito por profissional legalmente habilitado.


AVANÇOS LEGISLATIVOS


Além da evolução na regulamentação acerca da utilização de produtos à base de cannabis, os últimos anos foram marcados por notáveis avanços legislativos, repercutindo, por meio da atividade parlamentar, a conjuntura política e social mais atenta aos aspectos benéficos na planta.


Em 2023, foi sancionada a Lei municipal de Salvador - BA n. 9.663, dispondo sobre uso da cannabis para fins medicinais, estabelecendo que é "direito do paciente receber gratuitamente do Poder Público medicamentos nacionais e/ou importados à base de cannabis medicinal que contenham em sua fórmula a substância Canabidiol (CBD) e/ou Tetrahidrocanabinol (THC)".


O supramencionado direito se aplica no âmbito das unidades de saúde pública municipal em funcionamento no município de Salvador, e tem como requisito a autorização por ordem judicial e/ou prescrição "por profissional médico acompanhado do devido laudo das razões da prescrição".


Essa lei municipal vai na mesma direção da Lei Estadual n. 17.618/2023, do Estado de São Paulo, sendo que esta abrange não apenas unidades de saúde pública estadual, mas também eventual instituição "privada conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS)".


E visando assegurar que o objetivo destas normas é compatibilizar os benefícios de uma substância, que já foi proscrita, à saúde pública, ambas as referidas normas inserem entre seus objetivos o acolhimento e tratamentos cuja cannabis medicinal possa ter eficácia, além de incentivar políticas públicas que disseminem a informação à população a respeito da terapêutica canábica.


Fora dos âmbitos municipal e estadual, há alguns projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.


O Projeto de Lei n. 5158, de 2019, propõe algo semelhante às normas demonstradas acima, visando obrigar o Sistema Único de Saúde (SUS) a fornecer gratuitamente remédios à base exclusivamente de canabidiol, de acordo com diretrizes definidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e em conformidade com indicações aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).


Já o Projeto de Lei n. 4776, de 2019, dispõe acerca do uso da planta Cannabis spp. para fins medicinais, incluindo previsão sobre possibilidade de produção da planta por pessoa jurídica. Dentre as justificativas do projeto, de iniciativa do Senador Flávio Arns, está a comprovada eficácia "no tratamento de diversas enfermidades severas, entre elas, epilepsia, Alzheimer, Parkinson, Esquizofrenia e esclerose múltipla", e os exemplos de Israel, Canadá, Holanda, Chile e Estados Unidos, que "permitiram o avanço da regulamentação para fins de pesquisa e produção de medicamentos à base de substâncias encontradas na Cannabis, o que possibilitou explorar comercialmente o potencial terapêutico da planta".


Há, ainda, o Projeto de Lei n. 5295, de 2019, de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, dispõe sobre a cannabis medicinal e o cânhamo industrial. Este último, acordo com o parecer da Comissão, "trata-se de um produto que possui inúmeras aplicações industriais, a exemplo da indústria têxtil" e "é utilizado na fabricação de papel, cordas, alimentos (forragem animal, suplementos alimentares), óleos, cosméticos, resinas, materiais de construção, tintas e combustíveis, entre muitas outras aplicações".


Na data da presente publicação (1º/08/23), todos os projetos mencionados acima se encontram com as respectivas relatorias e ainda não foram aprovados.


PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO DA PLANTA IN NATURA


Em 19 de julho de 2023, a ANVISA publicou a Nota Técnica n. 35/2023/SEI/COCIC/GPCON/DIRE5/ANVISA, que proibiu a importação da planta cannabis in natura, inclusive as flores, por entender que a combustão e inalação não é uma forma terapêutica de utilização da substância, e que não está entre os produtos autorizados pela RDC n. 327/2019.


Conforme a determinação, não serão concedidas novas autorizações a partir de 20 de julho de 2023, resguardado o direito daqueles que já possuem autorização para importação por um período de transição de 60 (sessenta) dias, estabelecendo o documento que a validade final destas será em 20 de setembro de 2023.


SUSPENSÃO DAS AÇÕES SOBRE O PLANTIO PELO STJ


Em março de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão de todas as ações que versem sobre Autorização Sanitária para o plantio de cannabis, por empresas, para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais.


Isso ocorreu após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região ter entendido que essa Autorização Sanitária seria um ato cuja matéria é política, não cabendo a ingerência do Poder Judiciário. A questão chegou ao STJ após a admissão de incidente de assunção de competência no Recurso Especial n. 2.024.250/PR.


CONCLUSÃO: DIREITO À SAÚDE


Ante o exposto, é possível perceber que a regulamentação atual da cannabis está cada vez mais voltada a garantir o direito da saúde do cidadão que necessita fazer uso da substância para conseguir ter melhores condições de vida.


diversas enfermidades que podem ensejar o tratamento com produtos derivados da cannabis, o que pode ser obtido por meio das unidades públicas de saúde dos entes federativos que possuem legislação sobre o tema, ou por meio de ordem judicial - o que requer o ajuizamento de uma ação.


Qualquer dúvida, contate-nos.


 
 
 

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